2

domingo, 22 de dezembro de 2013

As leis da periferia






Nasci na cidade de Alvorada. Ao contrário da maioria das pessoas, nasci numa casa, e não num hospital. Fui criado no bairro Salomé, vizinho do bairro Umbu, onde dizem ser muito perigoso. Na verdade, qualquer ligar no mundo pode ser perigoso, se não souber levar a vida de um jeito tranquilo, sossegado. Moro há mais de 20 anos no mesmo lugar. E, somente uma vez, durante um pequeno descuido, fui assaltado; na época eu tinha 15 anos. Depois, nunca mais chegaram perto de mim. Tenho acesso livre no meu bairro, podendo andar até de madrugada, que nada me acontece...


Pisou na bola bum


Sou respeitado. Considerado. O motivo é bem simples; entendo as leis da periferia. E quem não entende? O tempo de vida pode ser curto. Inúmeras vezes passei pelos malandros. "O dus mew, consegue um cigarro?" "Me apoia R$ 1,00?" Nunca me neguei em apoiar os manos. Nunca me enchi da onda com ninguém. É só um cigarro, por que eu negaria. Não vou morrer por causa de R$ 1,00. Muitas vezes encontrei os manos pela noite; apenas cumprimentaram e deixaram eu seguir meu caminho. Se tivesse negado alguma coisa, ficaria marcado...
Hoje conheço os malandros à quilômetros de distância. Por isso acho muito engraçado quem quer ser malandro e não sabe como. Não adianta ouvir rap, usar calças lá em baixo e botar um boné aba reta na cabeça, se não entende as leis da periferia. Os verdadeiros malandros eu baixo a cabeça, pois sei que são respeitados e temidos. Agora, quando vejo um 'zé ninguém' querendo ser bandido, trato como cachorro: Olho firme dentro dos olhos, até baixarem a cabeça; eles sempre baixam. Provavelmente sabem quem sou, e quem conheço. Comprar briga comigo pode significar uma guerra...
A lei do silêncio é muito forte. Para que vou falar sobre algo que vi ou fiquei sabendo? Para que entregar os manos da periferia? Acredita que a lei funciona? No máximo os manos vão passar um tempo na cadeia. E quando voltarem, acha que vão procurar quem? Caguete morre cedo. Quando os manos são presos, sabem tudo que acontece na rua. Sinceramente, não faço a mínima ideia de como sabem. Se soubesse, escreveria, ou não... Caguete morre cedo.
No augi dos meus 28 anos, posso dizer que sou muito feliz morando na Salomé; os malandros que estão iniciando atividade, conheço desde pequeno. Sou feliz e livre. Não adianta partir para outro lugar, onde não conheço quem é quem. Estou ciente que sei agir, independente do bairro, mas prefiro ficar onde tenho raízes. Eu trilhei um caminho diferente dos meus guerreiros da periferia, mas eles sabem que têm o meu respeito. Talvez um dia eu more em outro Estado, outro país. A Salomé ficará para sempre no meu coração...

Quando encontrar um malandro na rua que te peça algo, se tiver não nega, simplesmente apoia. Quando não tiver, basta dizer não; eles vão entender. "Se ele tivesse me apoiaria. Ele já apoiou uma vez." É assim que os malandros pensam. Se tu ver algo de errado, fica na tua, não se envolve. Só se tiver batendo em uma criança, ou algo muito grave; caso contrário, fica na tua. Batendo em mulher? Acredite, mulher de malandro gosta de apanhar. Não precisa fazer amizade e sair junto. Entretanto, um oi não mata ninguém. Melhor ser amigo distante, do que ser contra. Com o passar do tempo, certamente passaram a te proteger e te cuidar. As leis da periferia são claras. Quem entender as leis vivera bem. Agora, quem não entende...  
 


Nenhum comentário:

Postar um comentário