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segunda-feira, 29 de maio de 2017

Gustavo - O Estudioso




Eu nunca conheci uma pessoa que estudasse tanto quanto o Gustavo. Ele abriu mão de muitas coisas na adolescência, tudo por um sonho. É natural as pessoas ambicionarem estudar na UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul). Todavia, poucas pessoas conseguem, porque é muito concorrida uma vaga, independente do curso que escolher. As provas são de alto nível. O Gustavo queria estudar Enfermagem, talvez, quem sabe, sua mãe foi uma inspiração; aposentou-se como Enfermeira. O fato é que ele focou nos estudos e acreditou, de forma cega, que conseguiria ingressar na UFRGS com suas próprias forças, sem cursinho Pré-Vestibular.
Por diversas vezes foi motivo de piada. A maioria das vezes ele estava presente, se divertia com as brincadeiras e afirmava categórico: "Vou vencer através dos estudos, vocês vão ver." A gente dava risada, mas não ousava duvidar. O que estou prestes a escrever aconteceu há mais de 10 anos atrás, e, naquele tempo, eu nem segundo grau completo tinha e estava remando nos estudos. O Gustavo, de piada, tornou-se inspiração. Às vezes ele vem me visitar, daí conversamos sobre estudos, os desafios que nunca param. É uma grande honra ter um amigo de tal calibre, dedicado e focado. Lembro-me de tudo como se fosse ontem. Será um prazer imensurável escrever sobre este amigo, sua metodologia e um pequeno pedaço da sua historia, que é muito ampla. Gustavo - O Estudioso, é uma pequena homenagem para um amigo, irmão, que me inspirou e pode inspirar muita gente que ambiciona estudar e vencer. Presta atenção na forma que ele estudava (estuda) e se autoquestiona: "Eu estudo de verdade?" Eu gosto de estudar, mas jamais alcancei o nível do Gustavo. Nem vou. Imagina, ele sabe de cor as normas da ABNT. Sem chance de competir.


As Redes Sociais Digitais existiam naquela época, e não era muito diferente dos dias atuais. Orkut e MSN, ambas extintas com a chegada do Facebook. Depois surgiu o WhatsApp. 10 anos atrás era normal as pessoas se reunirem em grupos para conversar. Nós éramos vizinhos: Gustavo, Anderson, Maiquinho e Elias (este último sobrinho do Maiquinho) e eu. Às vezes aparecia o Felipe, Rodrigo entre outros. Entre nós, o Gustavo era o que ficava menos tempo. Aparecia um pouco, se divertia, dava risada e já saía, alegando que precisava estudar. A gente insistia para ele permanecer, pelo menos mais um pouco, mas raramente conseguia convence-lo; estudar era sagrado e existia horários pré-determinados para suas atividades. Por mais que não entendesse a magnitude dos estudos, ninguém contrariava sua escolha, apenas respeitava e dava uma risada aqui e outra ali. Nada que ele não soubesse.
O Gustavo, na sua adolescência, um jovem bonito e sorridente, nunca foi de rasgar à noite atrás de baladas intermináveis, bebidas e beijos sem sentimento. Nada de gastar dinheiro à toa apenas para fazer os outros sorrir e arranjar amizades falsas. Sempre optou por ficar em casa, estudando, descansando, se preparando para o grande dia. Nunca ficou postando fotos dos seus estudos ou ficou se gabando dos seus inúmeros esforços. Concentração total. Ele tinha o entendimento que não poderia ter uma namorada, afinal, jamais  conseguiria dedicar para ela o tempo necessário para um relacionamento caminhar e dar certo. Certa vez ele tentou, mas levou um golpe forte do destino e quase pôs tudo a perder (....). Mas o Gustavo é um grande guerreiro.
Uma vez fui à casa dele (morava na esquina da minha casa) e conversamos bastante. Mostrou-me sua metodologia de estudos, o que me deixou espantando. Sem reação. Criou uma tabela com dias da semana, matérias que deveria estudar, hora de acordar, dormir e intervalos. Ele acordava 08h30min, tomava café da manhã leve, seguido de uma fruta. Depois iniciava os estudos. Almoçava meio dia e parava por uma hora, seu intervalo. Retornava e seguia estudando até umas 19h00min. Antes de dormir, revisava seus estudos. Sua rotina de segunda a sábado. Domingo costumava ficar livre durante o dia, mas de noite, uma vez mais, revisava os estudos. Como não era de ferro, a noite entrava no Orkut e mandava alguns recados; conversava no MSN normalmente (na época era internet discada, o famoso bote da meia noite. Os mais velhos vão entender). Algumas vezes transparecia seu stress emocional. Desconfio que lágrimas rolaram por sua face muitas noites, com medo de falhar. Não seria justo com ele, após tanta dedicação, não conseguir uma vaga na UFRGS. Eu não entendia nada de estudos naquela época, e não podia ajudar o Gustavo em nada de útil. Apenas torcer para que tudo desse certo. E o grande dia chegou.


Todos nós estávamos ansiosos pelo retorno do Gustavo. Sabíamos que a prova demoraria bastante. Ele estava focado, preparado. Estudou o ano inteiro. Nada poderia dar errado. Quando chegou do vestibular, parecia tranquilo, ciente que havia dado o seu melhor. O resultado demorou alguns dias; o gabarito oficial.  A vida seria justa com o Gustavo? Ele fez por merecer. Mas a vida não é justa e cobra o preço por um sonho. Ele não conseguiu uma vaga, e foi por pouco. Naturalmente ficou triste. Cabisbaixo. Talvez devesse chutar o balde, curtir a vida e dar um tempo nos estudos. Mas não desistiu e reforçou seus estudos, ingressando num curso Pré-Vestibular.
Em questão de estudos ele evoluiu de forma gigantesca. Magistral. Verdade que se tornou menos presente do que antes. Os estudos exigiam dele força máxima. Agora não estava estudando por conta própria, existiam matérias especificas que pediam atenção redobrada. De manhã sua rotina seguia firme. A parte da tarde que se alterou; agora ia para o curso Pré-Vestibular: chegava de noite e continuava estudando. Uma rotina pesada demais para um adolescente, mas leve para quem tem certeza do seu futuro e acredita em dias melhores. Sua inteligência estava anos luz da "gurizada da vila", e isto inclui este senhor que vos escreve e os nomes citados anteriormente. Num domingo à noite, em frente a casa do Maiquinho, ele deu uma surra intelectual em todos, através de um questionamento simples, mas intrigante: "Por que todos os animais tem rabo e o ser humano não tem? Qual a função do rabo?" A gurizada não segurou as piadas. O Elias então, conhecido por não perdoar nas piadas, mais o Maiquinho dando altas gargalhadas. O Gustavo é baixo, branco, suas bochechas ficaram rosa. Deu algumas risadas e concluiu: "A função do rabo é o equilíbrio. Os seres humanos não tem rabo porque tem o cerebelo (neste momento ele mostrou onde fica). Por isso que, pessoas que bebem, costumam perder o equilíbrio; o cerebelo é afetado." Todos se entreolharam, franziram o cenho, e o silêncio imperou. Já estava na hora do Gustavo retomar os estudos, se retirou feliz.


O tempo passou e uma nova chance surgiu para o Gustavo; ia encarar o segundo vestibular da UFRGS. Desta vez as chances de fracasso eram mínimas; não tinha como dar errado. Ao natural já estudava de todas as maneiras, agregando curso Pré-Vestibular, praticamente tornou-se o "Rambo dos estudos". E o resultado não surpreendeu ninguém: Ele passou. Finalmente, após inúmeros esforços, muita renuncia, realizava seu sonho. Dona Vilma, mãe orgulhosa, colocou uma faixa na frente da casa: "Bixo 2007 UFRGS - Enfermagem", mais o nome e palavras de carinho ao Gustavo, que merecia todas as homenagens. O Elias foi um dos que chorou ao saber que o Gustavo havia passado, emocionado com a conquista do amigo. Não cheguei a chorar, mas tinha uma certeza: ele nunca mais ia parar de estudar e alcançaria voos gigantes; rasgaria as nuvens e buscaria o mais alto grau nos estudos. Visivelmente apaixonado pelos estudos, apaixonado pela Enfermagem.
Os anos passaram calmamente e o Gustavo seguia estudando firme. Em um determinado ano mudou-se para Porto Alegre, pois o acesso a UFRGS ficaria mais fácil. A saudade batia o peito, e às vezes ele aparecia, sempre contando muitas historias. Numa dessas visitas ele anunciou que estava perto de se formar e, naturalmente, convidou todos. Eu não fui à colação de grau, mas fui na festa que ele ganhou, onde acabou discursando para os convidados. Tudo muito bonito. Formado pela UFRGS. Chegou o fim? Hora de curtir? Não. Desde o vestibular eu sabia que ele não ia parar, e de fato não parou; conquistou uma bolsa para estudar Mestrado na UFRGS e seguiu. A partir de então, as profecias dele se concluíram. Ele venceu e segue vencendo, através dos estudos.


Muitos anos depois o Gustavo me confessou: após ser graduado em Enfermagem pela UFRGS, ainda ficou quase um ano sem ganhar um real. Depois que entrou para o Mestrado que as coisas começaram a fluir. Hoje ele é bem sucedido: Enfermeiro num posto de saúde; ministra palestras; escreveu artigos, publicações em revistas na área da saúde. Entre outras conquistas sensacionais, que, por uma questão de ética, não posso revelar. O menino de ouro: este ano, 2017, vai tornar-se Doutor em Enfermagem pela UFRGS, com menos de 30 anos de idade. Ou seja, está a um passo de ser PhD, o grau mais alto nos estudos; torna-se um filósofo. O tão sonhado fim. Mas duvido que pare, certamente vai continuar se atualizando e buscando informações que agreguem. Se quisesse, poderia parar. Quem não conhece o Gustavo pode até sentir inveja, por ter isso ou aquilo. Por outro lado, quem conhece, sente muito orgulho e admiração; um exemplo.
E tu, estás estudando ou mais ocupado em publicar em redes sociais digitais para mostrar o quanto estuda? Quem estuda de verdade, não tem tempo. Aprendi com o Gustavo: quem quer estudar simplesmente estuda, sem necessidade de mostrar para ninguém. No momento certo, demonstra o conhecimento. Um dia ainda vou dizer: tenho um amigo PhD. Que Deus abençoe o Gustavo e que tenha mais glória do que já tem.

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