Às vezes eu tento lembrar como tudo aconteceu. Mas é uma tentativa em vão. Meu acidente foi delatado da minha memória. Nenhuma recordação. Nada. O que eu gostaria de esquecer não consigo. Lembro perfeitamente como era jogar futebol com os amigos; jogar vídeo-game; jogar vólei; dançar pagode... Entre outros ritmos. Luzes brancas. Pessoas chorando ao meu redor. Minha mãe de um lado, do outro, meu irmão. Meu colega de trabalho, o Boca, acariciando meus cabelos e dizendo: "Fica bom logo, meu zagueiro. A gente te espera para o torneio." Era a Copa dos Jornaleiros, que eu estava escalado. É impossível esquecer as palavras da minha mãe, quando saí de casa para ir trabalhar: "Não vai de moto, filho. Espera aprender andar bem. Vai de ônibus." Eu não escutei ela. Eu só queria mostrar aos meus colegas de trabalho que havia conseguido conquistar meu sonho. Minha adorada moto. Mal sabia que meu sonho quase me mataria. Aliás, matou; parada cardíaca por 7 segundos. As pessoas me perguntam muito sobre o meu acidente. Vou contar o que aconteceu...
No dia 04 de março de 2005, uma sexta-feira, fui até à Zero Hora pegar meu Vale Transporte. Após esta tarefa, o Maurício, vulgo Pateta, ficou de me levar na loja para pegar minha moto: Titan preta, 150 ES. A loja da Via-porto ficava na parada 44 de Alvorada. Ao descer da moto do Maurício, fiquei admirando minha nova aquisição. Meu sonho. Quando subi na moto e liguei ela, senti um prazer imenso, uma sensação impossível de descrever. O Maurício e eu andamos lado a lado na Avenida Getúlio Vargas. Na parada 46 nos despedimos e seguimos rumos diferentes; ele seguiu reto e eu dobrei para direta, pegando um atalho para loja Nice Modas, uma filial onde a dona era minha amiga. A Rochele me viu chegando. Sorrindo me cumprimentou, parabenizou pela moto. Conversamos um pouco, subi na moto e segui meu caminho. Eu queria muito chegar em casa, deitar e dormir; acordar às 04:00 da manhã todos os dias não é tarefa fácil; ser jornaleiro é um serviço que exige acordar cedo. Porém, agora de moto, finalmente trocaria de emprego. Ser frentista era meu próximo passo. Eu queria ser frentista...
Ao chegar em casa conversei com a minha mãe. A moto ficou estacionada na frente de casa. Tentei dormir. Tive pesadelos horríveis. Acordei suando frio. Seria um aviso? Deus nos envia avisos o tempo todo, ainda mais quando se trata de perigos eminentes. Não respeitei os sinais e esperei à noite cair; muitas emoções estavam por vim: minha primeira noite de moto. Encontrei meus amigos na casa do Eder (Este, infelizmente, não está mais entre nós), decidimos ir para Gravataí, curtir as festas que rolavam, os 'pegas' alucinantes e manobras inconscientes. De repente, algumas quadras da minha casa, em frente a padaria Makro Pão, parei a moto e businei para meus amigos. Quando eles voltaram, eu disse: "Não vou ir. Preciso acordar cedo para trabalhar. Deixa para próxima." Retornei para casa e guardei minha moto. O que vou escrever a partir de agora, são relatos dos meus colegas, das pessoas que estavam naquele momento. Como disse anteriormente, não recordo do meu acidente...
Meu acidente aconteceu às 06:00 da manhã do dia 05 de março de 2005. Eu peguei minha moto no dia anterior, às 16:00 horas da tarde. Ou seja, meu sonho não durou 24 horas. Durou tempo suficiente para mostrar aos meus colegas, para alguns amigos; levei o Daniel até a casa da irmã dele. Naquela manhã do dia 05, peguei meus jornais como de costume. Contudo. eu não queria simplesmente levar meus jornais até o ponto de venda; estava disposto a fazer um 'pega' com o Maurício. Era uma promessa; surrar ele. Quanta bobagem. Uma Titan 150, motor zero, contra uma Titan 97, motor amaciado. Loucura. Mesmo assim, sem noção do perigo e da minha inexperiência, corremos. Estávamos na Avenida Assis Brasil, o Maurício, o Shampoo e eu. Mas, correr mesmo, só o Maurício e eu. O Shampoo estava só acompanhando; ele viu tudo que aconteceu comigo. Quando chegou na curva que aconteceu meu acidente. Ali no IAPI, naquela curva antes de chegar no viaduto. Passando o Bourboun, sentido centro bairro. O certo era ter deitado a moto. Qualquer motoqueiro sabe disso. Não... Eu não sabia, e simplesmente virei o guidão da moto. Me perdi. Balancei de um lado para o outro, tentando equilibrar a moto. Eu estava em terceira. Ao invés de frear a moto e reduzir, só segurei a embreagem e comecei a frear. Deu certo. Todavia, cometi um erro fatal. Eu queria muito ganhar do Maurício: "Vou buscar esse louco." Não reparei que estava em terceira. Larguei a embreagem de soco e colei o punho. A moto do 0 foi para o 80 novamente, empinou, voou contra um poste de concreto. Eu subi por cima do guidão e dei de cara no poste. Os jornais voaram para todos os lados...
Meus colegas de trabalho entram em desespero. Quase cometeram uma fatalidade: tiraram meu capacete. Me colocaram sentado na calçada e chamavam meu nome. Eu só olhava e não respondia. Assim que a ambulância chegou, desmaiei. Na verdade, entrei em Coma. Minha situação pioraria no hospital. Não existia nenhuma possibilidade de sobreviver: 23 dias em Coma profundo; Clavícula direita quebrada; rompimento do Plexo Braquial; Pulmão direito perfurado; Pulmão esquerdo parou de funcionar; Traumatismo craniano; Infecção hospitalar generalizada; Parada cardíaca por 7 segundos. Os médicos sugeriram praticar eutanásia (desligar os aparelhos), mas minha mãe disse: "Enquanto ele respirar, tenho fé." Os médicos não davam nenhum tipo de esperança. Se sobrevivesse, ficaria cego, louco ou em estado vegetativo. Ou tudo junto. E eis que o milagre aconteceu. Apenas uma sequela: meu braço direito; nunca mais mexi, nem a mão. Quanta a minha cabeça, os médicos estavam certos, de certa forma. Minhas emoções se misturaram, devido a forte batida de cabeça. Eu nunca mais fui o mesmo. Que bom...
Escrever sobre o meu acidente é difícil, porque tenho muitas informações e recordações do dia 04 de março de 2005. Não escrevi sobre o Márcio, o irmão da Rochele, que é meu grande amigo. Ele andou na minha moto. Não escrevi sobre como deram a notícia para minha mãe: meu chefe e o Maurício vieram na minha casa avisar minha mãe sobre o acidente; disseram que eu havia caído e me machucado um pouco, que estava no hospital. Imaginem a reação da minha mãe ao chegar no hospital. Escrevi pouco, mas parece muito...
Fotos tiradas depois do meu acidente: