Existem dois tipos de Coma: Profundo e Induzido. No Coma Induzido, os médicos aplicam certas "drogas" para adormecer e não sentir dores. O Coma Profundo acontece quando a dor é insuportável e o corpo não aguenta; é uma defesa do corpo; dormir. Existem grandes diferenças entre uma coisa e outra. Fiquei 23 dias em Coma profundo, após bater de cabeça contra um poste de concreto. Do dia 05 de março de 2005 até o dia 28 de março de 2005, adormeci. Significa que fiz aniversário entre a vida e a morte. Nessa fase do meu acidente, as notícias que eu havia morrido eram alarmantes. De certa forma, de fato, acabei morrendo; parada cardíaca por 7 segundos. Eu nunca vou esquecer como é estar em Coma. Sonhos e mais sonhos. No meio de um sonho qualquer, eu dormia no sonho e sonhava novamente; um sonho eterno. Quando acordei, lembro-me de luzes brancas circulando. Olhando para direita, minha mãe chorava copiosamente; a esquerda, meu irmão, com lágrimas escorrendo por sua face. Tudo era muito estranho. Eu sabia que havia sofrido um acidente de moto, mas não lembrava como, aonde, que horas. Nada. Minha primeira pergunta: "A moto estragou muito?" 23 dias em Coma, e é a pergunta que faço. Dizia para meu pai cuidar minha moto e arrumasse. Meu pai me olhava sério: "Eu arrumo tua moto. Mas tu precisa se recuperar." Meu ex-colega de trabalho, o Boka, afagava meus cabelos e dizia: "Te recupera logo, meu zagueiro. Precisamos de ti no torneio." Ele sabia que eu não jogaria a Copa dos Jornaleiros. Aliás, nunca mais seria zagueiro. Num primeiro momento, acreditava que estava sonhando. Eram tantas pessoas ao meu redor, que não podia ser verdade. Queria levantar e ir para casa. Não sentia minhas pernas e havia algo de errado com meu braço direito. Minha voz, praticamente inaudível. Minha mãe se abaixou para ouvir o que eu queria: "Tira essa criança de cima do meu braço. Tá doendo e não consigo mexer." Novamente, mamãe chorou e disse que era um anjo, que eu precisava cuidar. "Tira esse anjo, então." Não tinha noção da gravidade da situação. Dias depois, quando estava prestes a receber alta, finalmente, percebi tudo, ao tentar levantar sozinho da cama.
Estava deitado na cama e ouvia minha mãe conversando com o Enfermeiro, algo sobre tipoia e, depois, referente a uma cadeira de rodas para me levar. "Cadeira de rodas? Eu estou super bem, tanto que vou levantar da cama e surpreender minha mãe", assim pensava. Eles estavam conversando de costas para mim. Fiquei sentado na cama. "Não vai cair da cama, filho, fica sentadinho", foram as palavras da mamãe. Teimoso, insisti com a surpresa. Quando minha mãe parou de me olhar, devagar tentei descer da cama. Ao colocar os pés no chão que surgiram meus problemas; não senti as pernas e amoleci. Antes de cair no chão, senti as mãos do Enfermeiro me segurando, me dando certa bronca e me colocando de volta na cama. Meus pensamentos flutuaram: "O que aconteceu comigo?" Fiquei em estado de choque, por longos minutos. O Enfermeiro colocou a tipoia no braço direito. A cadeira de rodas chegou, junto com o motorista do Grupo RBS - empresa que atuava quando sofri o acidente. Me colocaram na cadeira de rodas e fiquei em silêncio, tentando entender o que acontecia ao meu redor; passei por inúmeros corredores, até chegar no elevador. Enfim, chegamos no carro. O Josias, motorista, sutilmente me pegou no colo e me pôs sentado no banco da frente. Após 35 dias sem enxergar as ruas, a luz do sol, lá estava eu, andando de carro e olhando o movimento. O caminho do hospital até minha casa, nunca foi tão distante. Quando o Josias virou a direita do campo do palmeirinhas, eu sabia que estava há poucos metros de casa. Estava totalmente sem noção do tempo. O Josias estacionou na rampa e pediu para eu aguardar. Então, abriu a porta do carro, se posicionou e me pegou no colo. Naquele momento, sabia que estava muito, muito mal. Ele caminhou comigo em seus braços e me deitou na minha cama. Minha querida cama. Finalmente, eu estava em casa.
Nunca recebi tantas visitas. Nossa!! Vinham pessoas de todos os lugares: colegas do colégio; colegas de trabalho; amigos de infância; meus vizinhos; meus irmãos; ex-namoradas; parentes; pai e madrasta... Uma verdadeira loucura. Todos queriam saber como eu estava, como tudo havia acontecido. Ouviram besteiras, pois estava totalmente sem noção. Meio louco, diga-se de passagem. Algumas pessoas vinham confirmar se eu estava vivo, realmente, já que fui dado como morto diversas vezes. Ou, então, para ver minhas sequelas: poderia ter ficado cego, surdo, mudo, vegetativo... Eram as previsões dos médicos se me salvasse. Eles estavam errados, graças a Deus. Só perdi o movimento do braço, o que é pouco, perto de como era para ter ficado. Certa vez minha mãe falou comigo sobre a cirurgia que eu precisava fazer. Eu disse que era só um braço, nada demais. Os médicos vão emendar o nervo e pronto. Vou voltar a estudar, jogar bola, andar de moto e trabalhar. Era algo simples. Mamãe me olhou, com os olhos cheios de lágrima e disse: "Acho que não é tão simples como tu pensa." Realmente, não era.
Eu não conseguia falar e precisava de contato com a minha mãe. Ganhei uma sineta, para tocar sempre que precisasse de alguma coisa. Água, comida ou, se caso sentisse dores. Eu não podia fazer nada, há não ser, ficar olhando televisão. Sabe todas as necessidades e dependências que uma criança de 3 anos tem de um adulto? A mesma coisa. A única diferença, é que eu tinha 20 anos. Meu ex-padrasto me pegava no colo e levava até o banheiro, onde ficava sentado numa cadeira e minha mãe me dava banho. No almoço, café ou janta, minha mãe me dava comida na boca. Não tinha nenhum tipo de habilidade com a mão esquerda, nem para escovar os dentes, função que minha mãe desenvolvia; apenas abria a boca e ela escovava meus dentes. Com o passar dos dias, tentava caminhar, segurando nos móveis e tentando me manter em pé, o que não conseguia; minhas pernas estavam fracas, por ficar 35 dias deitado na mesma posição. Nos finais de tarde, gostava de ficar sentado na frente de casa, na área, olhando para rua. As pessoas passavam, acenavam para mim. Algumas, pediam licença e entravam no pátio, para conversar comigo. Sim, eu tinha dificuldade para falar, porém, tentava me comunicar e as pessoas entendiam isso. A parte que eu mais gostava, era quando meu ex-padrasto chegava do trabalho. Mesmo cansado, após um dia inteiro de trabalho, se dedicava a fazer exercícios comigo. O esforço dele, a dedicação, sou eternamente grato; ele é um personagem importante na minha recuperação. Eu amo ele e sempre vou amar.
O Bigode chegava em casa depois de uma longa jornada na Japesca, uma peixaria que fica no mercado público, centro de Porto Alegre. Às vezes eu estava na frente de casa; às vezes, deitado na cama. Quando estava na cama, Ele me pegava no colo e me levava para o pátio, onde me abraçava e ajudava a caminhar. Era uma criança. Um passo de cada vez, bem devagar. Depois, dava uma voltinha e caminhava novamente, ele sempre me segurando, para não cair. Ele fez esse treinamento durante meses, até eu conseguir caminhar sozinho. Eu não conseguia caminhar perfeitamente, mas caminhava devagar e sozinho, graças ao Bigode. Depois que aprendi a caminhar, certa vez resolvi ousar. Fui visitar um amigo escondido da mãe, já que ela não estava. O Jaderson morava perto da minha casa. Mesmo assim, levei mais de 1 hora para chegar na casa dele, para ter uma ideia da lentidão dos meus passos. Uma verdadeira criança.
Não desejo o que passei ao meu pior inimigo. Nunca mais quero morrer para as pessoas valorizarem meus sentimentos, minha pessoa. Perdi muitos amigos, alguns para drogas e outros acabaram morrendo. Sem falar nos que se mudaram e perdi contato. Não deu tempo de dizer o quanto amava eles, o quanto eram importantes. Por essas e outras, que abraço as pessoas, faço elogios e brinco; nunca sei quando vou perder o contato. O amanhã a Deus pertence. Eu gosto de cantar, dançar. Eu posso. Se eu ficasse surdo, mudo, em estado vegetativo, não poderia. Tudo que aconteceu, tudo que superei. Só em estar aqui, escrevendo um pedaço da minha historia, já é uma grande vitoria. Atravessei o vale das sombras e da morte, não foi à toa. Não me julga sem conhecer. Só quero respeito. Até o dia da minha cirurgia - 28 de setembro de 2005 - aconteceram muitas coisas. Demais. Não consegui encaixar no texto o dia que dei testemunho na igreja e percebi o quanto poderia motivar as pessoas através da minha historia. Então, superando limites, poderia mostrar que é possível. Outro fato importante, é referente as religiões, que também não consegui encaixar no texto. Igreja Católica e Evangélica, Espirita, Umbanda... Entre outras religiões, todas buscaram me ajudar. Um amigo viajou a Candiota em busca de ajuda espiritual. Não relatei o que o médico disse para minha mãe, mandando ela cuidar porque, futuramente, eu teria problemas na cabeça. Eu me salvei por pouco. Tenho que completar minha missão, que é bonita e repleta de glórias. Sou um louco, louco para viver, para fazer amizades e conhecer muitas culturas. Deus me trouxe de volta a vida e deu um dom natural: escrever. Escrevo repleto de sentimentos, com poucas técnicas e um estilo próprio. Tentem entender minha alegria de viver.
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